Papel do movimento estudantil frente à ditadura é destaque na sexta oitiva da Comissão da Verdade da UFBA

Vanice da Mata*

A sexta oitiva da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade trouxe os depoimentos de Gorgônio Araújo e Lauro Correia, ex-alunos de Direito nos anos 60 na Universidade Federal da Bahia (UFBA). Na tarde da última terça-feira (25 de março), no auditório da Faculdade de Comunicação (Facom), dois personagens da história política brasileira - que possuíam modos de atuação e personalidades distintas - falaram sobre o que os unia: o desejo de ver o povo brasileiro, todo ele, consciente de sua capacidade de transformar suas próprias vidas. Para tanto, ambos viam nos Centros Populares de Cultura espalhados pelo Brasil uma ferramenta para mudar a realidade social do país.

“Fomos castrados em nossa vocação política, em nossa liberdade de pensamento, impedidos de dar um destino mais nobre a nossa geração”, sentenciou Gorgônio. Ex-dirigente do Centro Popular de Cultura (CPC) na Bahia, representou a União Nacional dos Estudantes (UNE) em dois congressos internacionais: o primeiro na ex-União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, atual Rússia, mais especificamente na então república soviética subnacional de Kiev - Ucrânia), e em seguida na Suiça, na cidade de Genebra. Mais tarde ele seria preso pelo Exército Brasileiro durante 50 dias, sendo liberado por determinação do Tribunal Regional Militar, que considerou inconsistentes as denúncias contra ele.

Othon Jambeiro mediou depoimento de Lauro Correia   |    Foto: Rafael Villanueva

 

Enquanto isso, outro entusiasta e ex-coordenador do CPC e membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Lauro Correia, era recolhido para o mesmo alojamento do exército nas imediações do Forte de Mont Serrat, na Península de Itapagipe. “Fiquei preso durante 52 dias”, declarou aquele que disse saber ser “credor da repulsa dos setores golpistas que então vinham se formando”. Lauro atuava sempre nos bastidores, e teve problemas com o exército exatamente por isso. Perdeu 15 quilos na prisão, sofreu com a asma que o acompanha até hoje, além de ter sido vítima de recorrentes abusos por parte dos militares. Anos mais tarde, com o Ato Institucional nº 5, viu-se obrigado a deixar Salvador para não ser preso novamente.

As palavras de ordem do movimento estudantil naquela época eram incrementar a reestruturação da universidade e a reforma agrária, aliadas à luta dos trabalhadores. “Criamos unidades do CPC em vários bairros de Salvador. Nelas eu atuei como facilitador e, com o método Paulo Freire, alfabetizávamos um adulto em até 48 horas”, relatou Lauro. Os CPC’s foram criados pela UNE, em associação com intelectuais de esquerda. “Grandes figuras cresceram e se projetaram na cultura em nível nacional com base neste movimento que, na Bahia, funcionava a partir de uma garagem no fundo da faculdade de Direito da Universidade Federal”, explicou Gorgônio. Caetano, Gilberto Gil e Tom Zé são alguns destes nomes. José Carlos Capinan, depoente da primeira oitiva da UFBA, chegou a reconhecer o CPC como o espaço que inspira - até hoje - o seu “estar no mundo”. Gorgônio e Lauro já eram ex-alunos do curso de Direito da UFBA em 1964. Ainda assim, continuaram presentes na vida da universidade por muitos anos, mesmo depois de formados.

A sétima oitiva ocorre na próxima terça-feira, 1º de abril, recebendo os depoimentos dos ex-alunos Carlos Sarno (Ciências Sociais – 1968–1972), Eduardo Saphira (Economia, 1968-1972) e Eliete Telles (Direito – 1964-1968). Acontece às 14h no auditório da Faculdade de Comunicação (FACOM), à Rua Barão de Geremoabo, s/n, Ondina. As sessões são abertas ao público.

Confira abaixo breve vídeo-reportagem.

 

* estagiária de jornalismo da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da Universidade Federal da Bahia.