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Comissão da Verdade da UFBA promove décima oitiva

Vanice da Mata*

José Sérgio Gabrielli abriu a tarde de depoimentos do dia 29 de maio na Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (CMSMV) da Universidade Federal da Bahia (UFBA), seguido pelo educador Joaquim Coutinho. Com um olhar instrumentalizado a partir do campo da Economia, o atual secretário de planejamento do estado da Bahia discorreu sobre as condições que propiciaram a ditadura civil-militar no país.

Gabrielli destacou o papel do que chamou ‘nova classe média baiana’ para o sucesso da ditadura. Este extrato social foi engendrado a partir de planos governamentais de caráter industrial-desenvolvimentista, pensados e executados desde os anos 50. “Foram profundas transformações que não só atingiram as elites dirigentes e as classes dominantes, mas trabalhadores - a classe média. No pós-guerra (segundo conflito de ordem mundial) ainda tínhamos uma economia calcada na exportação de insumos agrícolas. Com a chegada da Petrobrás, da Refinaria Landulfo Alves, das empreiteiras industriais, passa a haver na classe dominante e em meio aos trabalhadores uma componente mais industrial”, apontou. Segundo José Sérgio, este modelo foi a base social objetiva de apoio do regime repressivo.

Militante desde o nível secundário, Gabrielli integrou a Ação Popular. Entrou na UFBA em 1968, ficou desempregado 3 vezes, foi preso 8, mas afirma não ter sofrido tortura física em qualquer delas. “A perseguição era constante e era praticada para destruir a capacidade de você articular politicamente e de constituir forças políticas para transformar a sociedade”, constatou. Conseguiu formar-se, mesmo tendo sido enquadrado pelo Decreto-Lei 477 a 10 dias de sua formatura. “O reitor Lafayete Pondé cria uma comissão que ia ouvir as testemunhas. O rito jurídico era ouvir tanto a defesa quanto a acusação, mas o exército se negou a depor. Mesmo assim o processo andou. Porém, quando concluído, eu já estava formado”, explicou.  Para o atual secretário, houve conivência da UFBA com a dita “Revolução Democrática” (como o golpe civil-militar é chamado pelos militares) - pelo menos num momento inicial. “Houve certa adaptação da universidade aos interesses dominantes naquele momento”, constatou José Sérgio.

 

Joaquim Coutinho

Professor Coutinho afirmou ter trazido do ensino médio a cultura da militância estudantil. “Participei de uma célula clandestina no interior”. Para Coutinho, estas práticas foram experiências de grande importância.  Além de ensinar, exerceu cargos técnicos na área educacional em órgãos estaduais, nacionais e internacionais. Vítima de reiterada perseguição política, viu-se obrigado a deixar o país para conseguir trabalhar e sustentar sua família. Neste período trabalhou em diversas regiões da America Latina e em países do continente africano. “Toda vez que me ofereciam algo para continuar minha atuação como professor aqui no Brasil, aparecia a nota do Serviço Nacional de Informação (SNI) que dizia: ‘não convém’”, relatou o educador. Neste contexto, a tortura psicológica ganhou um lugar central na vida de Coutinho e de seus familiares. Para o depoente, “pode até não ser tão forte quanto a (tortura) física, mas que maltrata a gente, maltrata”, admitiu.

Joaquim Coutinho repudiou arbitrariedades do regime civil-militar brasileiro  |  Foto: Rafael Villanueva 

Pedagogo pela Universidade Federal da Bahia, participou de atividades lideradas pela União Estudantes da Bahia (UEB), bem como pela União Nacional dos Estudantes (UNE). Entende estas células do movimento estudantil como “agremiações que fortaleceram sua formação politica e democrática”. O militante teve o arbítrio como marca de sua vida profissional. Foi exonerado em órgão do Ministério da Educação no fim de 1972- início de 1973; mas, já bem antes, em 1964, respondeu a inquérito policial militar em regime ‘aberto’ de prisão domiciliar, no período em que atuou na SUDENE. “Eu só podia ir de casa para o trabalho, tendo que me recolher às 18h, sendo constantemente vigiado pelo sentinela. Foram 7 meses desta vivência”, recordou. No ano posterior (1965), aprovado através de concurso para cargo de ensino na UFBA, foi surpreendido por um veto por parte dos militares que proibia seu acesso a sua carga horária junto à unidade de ensino na qual atuaria. Coutinho denunciou também a conivência da reitoria com tal estado de coisas.

Apesar de tudo isso, o educador Joaquim Coutinho é unívoco na conclusão. “Eu me lembro dos nossos colegas da Faculdade de Educação (FACED) com muito conforto. Não sei se são os altos dos meus 80 anos que deve me dar uma visão diferente do mundo, mas ali realmente existia ideologia; existia luta. Ali existia o sacrifício”, afirmou.

As oitivas têm continuidade terça-feira, dia 6 de maio, às 14h no auditório da Facom, com depoimentos de Aroldo Misi (ex-aluno de geologia), Frederico Torres (ex-aluno de Economia) e Aécio Pamponet (ex-aluno de Ciências Sociais). O evento é aberto.

 * estagiária de jornalismo da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da Universidade Federal da Bahia

 

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