Comissão da Verdade da UFBA entrega Relatório Final nesta segunda-feira
Quase 300 pessoas, entre professores, estudantes e funcionários da Universidade, foram comprovadamente perseguidas por agentes da ditadura
A Reitora da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Dora Leal Rosa, receberá nesta segunda feira, 18 de agosto, o relatório “Rompendo o silêncio do estado e reduzindo o espaço da negação – o golpe civil-militar na UFBA”. O parecer é fruto do trabalho de oito meses da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade (CMSMV), que recolheu documentos e depoimentos que permitiram revelar violações de direitos humanos perpetradas por agentes da ditadura civil-militar brasileira contra professores, estudantes e técnico-administrativos da universidade, bem como de suas liberdades individuais, no período de 31 de março de 1964 a 05 de outubro de 1988. O documento incorpora o relatório da Comissão de Memória e Verdade Eduardo Collier, da Faculdade de Direito, que investigou fatos ocorridos especificamente naquela unidade de ensino. A entrega acontece às 14h30 no gabinete da Reitora, na rua Augusto Viana, s/n, Palácio da Reitoria, Canela.
O RELATÓRIO
O documento reporta fatos que evidenciam o protagonismo e a centralidade da Bahia no cenário político nacional de então, elucida formas de atuação de agentes do regime militar na universidade baiana, suas maneiras de coerção e de repressão àqueles que se opunham à política conservadora defendida por militares e por setores da sociedade da época, os aplausos e resistências ao Golpe dentro da instituição, a repressão ao movimento estudantil, o controle ideológico sofrido pela UFBA, o avanço da resistência e da luta pela democracia, a estrutura e funcionamento do sistema de vigilância e submissão na universidade, bem como revela alguns dos cerca de 300 nomes marcados e monitorados pelo regime ditatorial.
O TRABALHO DEVE CONTINUAR
Segundo Othon Jambeiro, presidente da CMSMV, o prazo para conclusão dos trabalhos era outubro deste ano, mas foi decidida a antecipação por três razões principais: como a Comissão foi instituída na gestão da Reitora Dora Leal, entregar-lhe o relatório em seu último dia de mandato é uma forma de homenageá-la pela decisão de propor ao Conselho Universitário (CONSUNI) investigar a ação da ditadura no âmbito da UFBA; segundo porque a Comissão Nacional da Verdade (CNV), com a qual a Comissão Milton Santos assinou um termo de cooperação, anexará ao seu relatório – a ser entregue à Presidência da República – os relatórios das comissões setoriais, estaduais e municipais que lhes forem entregues até 31 de agosto; e, terceiro, porque por força de fatos e ocorrências independentes de sua vontade, a Comissão Milton Santos está em processo de autodissolução, visto que todos os seus atuais membros têm ocupações cotidianas que os impedem de se dedicar à Comissão, como ela, por seus objetivos e necessária dinâmica, exige. “O Conselho Universitário deve repensar o modo de dar continuidade aos trabalhos. Provavelmente terá de criar um órgão ou atribuir esta função a um órgão existente, e em qualquer caso criando uma infraestrutura na qual os que forem para ela designados, além de possuírem a qualificação necessária tenham, pelo menos, um turno diário de dedicação exclusiva”, reconheceu Othon Jambeiro.
Ele adverte que a autodissolução da Comissão e entrega de seu relatório final não significa o encerramento dos trabalhos determinados pelo CONSUNI. “O documento a ser entregue à Reitora é o relatório final desta Comissão, não o relatório final dos trabalhos. Ainda há muito a ser feito, mas a partir de agora, com uma vantagem: há uma plataforma de conhecimento, elaborada com base na análise de documentos oficiais e depoimentos de testemunhas dos fatos, que serve de base para projetos específicos de aprofundamento de pesquisa, tanto no que se refere a fatos quanto a indivíduos”, explica. Jambeiro observa que, só para se ter uma ideia, das quase 300 pessoas (professores, estudantes e funcionários) que a Comissão comprovou, documentalmente, terem sido perseguidas pela ditadura, apenas 28 prestaram depoimento. E complementa: “embora entre elas haja umas duas ou três dezenas de pessoas falecidas, há mais de duas centenas ainda vivas. Certamente são fontes das quais muito provavelmente novas informações podem ser colhidas e analisadas.”
DOCUMENTAÇÃO EXIGE TRATAMENTO ESPECIALIZADO
Em termos de documentos, a Comissão trabalhou basicamente com o arquivo do Gabinete do Reitor, que contém a correspondência sigilosa dos reitorados de Roberto Santos, Lafayette Pondé, Augusto Mascarenhas e Macedo Costa. Este arquivo que, equivocadamente, por falta de análise especializada, era dado como sendo da Assessoria de Segurança e Informação (ASI), embora pertencente ao Gabinete do Reitor, encontra-se hoje na Biblioteca Reitor Macedo Costa, em Ondina, nas dependências do Centro de Estudos Baianos. Além dele, foram localizados diversos documentos no Arquivo Geral da UFBA e em algumas poucas unidades onde foi possível pesquisar. A Secretaria Geral dos Cursos e a Superintendência de Pessoal também colaboraram na busca de informações sobre pessoas perseguidas.
No caso específico dos documentos sigilosos do Gabinete do Reitor, Othon Jambeiro observa que, por sua importância, demandam tratamento especializado, feito por arquivistas. Os profissionais que os classificaram atribuíram a cada documento um registro provisório, a partir de análise superficial. São cerca de cinco mil documentos, todos lidos e analisados duas vezes, mas a Comissão optou por não refazer sua classificação, inclusive porque, do ponto de vista arquivístico, são propriedade do Gabinete do Reitor, a quem compete dispor deles como entender que seja a melhor decisão. De qualquer forma, a Comissão indicou à Reitoria – e a Reitoria autorizou e financiou - duas arquivistas dos quadros funcionais da UFBA (Louise Oliveira, lotada na Escola Politécnica e Solenar Nascimento, lotada na Faculdade de Direito) e uma estudante de História (Anne Alves, bolsista da Comissão) para fazerem um curso sobre tratamento de arquivos da ditadura, no Rio Janeiro. Elas estão aptas para tratar destes e de outros documentos que sejam localizados na Universidade e que tenham relação com ações da ditadura ou ações da UFBA a favor ou contra ela. Aguardam apenas que a tarefa lhes seja atribuída pelo Gabinete do Reitor.
A CMSMV
A Comissão Milton Santos de Memória e Verdade foi criada pelo Conselho Universitário, constituída e empossada pela Magnífica Reitora em dezembro de 2013. A decisão do Conselho decorreu da instituição, em maio de 2012, da Comissão Nacional da Verdade, criada pelo Congresso Nacional, por meio da Lei 12.528/2011. Integram a Comissão os professores Emiliano José, Ilka Bichara, Iracy Picanço, João Augusto de Lima Rocha, Olival Freire Jr., e Othon Jambeiro, que também a preside; os estudantes Jéssica Santos e Leandro Coutinho; além do técnico-administrativo Umberto Bastos.
Serviço
O quê: entrega do Relatório Final da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade
Quando: 18 de agosto, segunda-feira
Hora: 14h30
Onde: rua Augusto Viana, s/n, Palácio da Reitoria – Canela
Quanto: aberto